25.6.06

A mesa

Bettmann-Corbis

Luís Fernando Veríssimo, um dos mais notáveis contadores de estórias da língua portuguesa apresenta este magnífico conto no seu "A Mesa Voadora" editado pela Dom Quixote e que o escritanamesa recomenda vivamente para ler em férias:

A mesa

Eram cinco. Reuniam-se todos os dias depois do trabalho para o chope. Há anos faziam a mesma coisa. E cada vez ficavam mais tempo na mesa do bar. Sempre o mesmo bar e sempre a mesma mesa. No começo eram dois, tres chopes cada um, no máximo um tira-gosto, depois pra casa, jantar. Todos tinham mulher, família, essas coisas. Mas um dia o Gordo anunciou: " Vou jantar aqui mesmo". E pediu filé.
Os outros aos poucos, foram aderindo. Era um sacrifício deixar a roda logo quando o papo estava ficando bom. Passaram a jantar no bar também. Depois mais dois, três chopes cada um e pra casa, dormir. Até que um dia o Gordo - de novo o pioneiro - bateu na mesa e declarou:
- Pois não vou pra casa.
- Como, não vai pra casa ?
- Não vou. Vou passar a noite aqui.
- Mas na hora de fecharem o bar, te botam na rua.
- Quero ver fecharem o bar comigo aqui dentro.
Na verdade, o dono não se animou a botar o Gorda para fora. A turma era antiga. Bons freguese. Fechou o bar, mas deixou o Gordo na mesa. No dia seguinte, quando os outros quatro chegaram, encontraram o Gordo no mesmo lugar. Com uma pilha de bolachas de chope na sua frente.
- Você não saiu daí ?
- Só para ir no banheiro.
Em seguida, o Gordo participou, com alguma solenidade, que não sairia mais do bar.
- Nunca mais ?
- Nunca.
Os outros se entreolharam. O Julião foi o primeiro a falar:
Pois eu também não!
Fizeram um pacto. Ninguém sairia mais daquela mesa. Ao diabo com as mulheres, filhos, o Brasil e o resto. Só levantariam da mesa para ir ao banheiro. Passariam o resto da vida tomando chope e batendo papo.
- E em caso de guerra atómica ? -perguntou um previdente.
- Morremos aqui mesmo.
- Combinado.
E estão lá até hoje. No mesmo lugar e na mesma mesa, há meses. As mulheres tentaram carregá-los para casa, sem sucesso. Os filhos foram implorar, parentes e amigos tentam dissuadi-los. Sem sucesso. Dormem ali mesmo, comem ali mesmo, se precisam de alguma coisa - cigarros ou outra camisa - mandam buscar. O dono do bar não sabe o que fazer. Como os cinco abandonaram os empregos, provavelmente não terão dinheiro para pagar a conta. Mas é pouco provável que peçam a conta num futuro próximo. O papo está cada vez mais animado.

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